Não dá para esperar que “o bolo fique bem feito só com metade da receita”
Não é porque estamos perante um problema de saúde que colocar um cd a tocar ou pegar numa guitarra e “dar uns toques” passa a ser “terapêutico”…
Não há estudos que comprovem que a mera exposição à música seja terapêutica, mas sim um bom contributo para o bem-estar, o que é bem diferente de falarmos em “terapêutico”. Os estudos que existem (estes sim!) foram feitos por profissionais qualificados (musicoterapeutas), apresentam bons resultados e o que não dá é esperar que “o bolo fique bem feito só com metade da receita”
Olhar para uma sessão de Fisioterapia e depois passar a dizer que fazer uma caminhada é “terapêutico” ou olhar para uma sessão de Psicologia e passar a dizer que uma conversa é “terapêutica” é o mesmo do que olhar para uma sessão ou estudos de Musicoterapia e depois dizer que ouvir alguém a tocar guitarra ou a cantar é “terapêutico”, quando vai uma longa distância para “o bolo estar bem feito e com todos os ingredientes”, nomeadamente, o ingrediente de ser um trabalho feito por um Musicoterapeuta, que além de possuir capacidades musicais, também estudou psicopatologia e tem a habilitação mais do que certa para utilizar a música em contextos de saúde de forma TERAPÊUTICA (!).
Como tal, para não acharem que os musicoterapeutas são “picuinhas” com este assunto e só querem é garantir o seu posto de trabalho, consultem um artigo no qual a utilização da música por profissionais não-qualificados num contexto de saúde levou a que os sintomas dos doentes piorassem…
Estudo apresentado na 10ª Conferência Europeia de Musicoterapia com o título “Effectiveness of Group MUSIC THERAPY versus RECREATIONAL Group SINGING for depressive symptoms of elderly nursing home residents” e desenvolvido pela Musicoterapeuta Jasmin Werner em Würzburg (Alemanha), com a supervisão efectuada pelos renomados Thomas Wosch e Christian Gold (UNI Research Health, Bergen, Noruega).
Objectivo: comparar os efeitos da Musicoterapia interactiva em grupo (realizada por um Musicoterapeuta habilitado) com os do Canto recreativo em grupo (realizado por um Professor de Música) nos sintomas depressivos em idosos residentes em lares.
Métodos: o total de 117 participantes seleccionados em 2 lares alemães foi dividido em 4 grupos (2 grupos de Musicoterapia, com a separação de pessoas com e sem demência para além dos sintomas depressivos; 2 grupos de aulas de Canto recreativo, também subdivididos pelos mesmos critérios). No pré-teste, “follow-up” em 6 semanas e pós-teste às 12 semanas, foi utilizada a “Montgomery-Åsberg Depression Rating Scale”, que foi aplicada com a orientação dos Psicogeriatras das instituições. 1. Descrição das Sessões de Musicoterapia: Foi utilizada uma abordagem holística, que tinha em consideração a biografia do cliente, era “ear-oriented”, trabalhava a relação cliente-terapeuta e elementos multi-sensoriais. O terapeuta liderava quando era necessário, incentivava a tomada de iniciativa quando a considerava importante, bem como tinha em conta os períodos de espera fundamentais na intervenção com estes utentes. Foram utilizadas as seguintes técnicas musicoterapêuticas: canto, reflexão verbal, dança e movimento, musicoterapia receptiva e improvisação musical. Os participantes poderiam abandonar a sessão se assim o desejassem. 2. Descrição das Aulas de Canto Recreativo: Era distribuído pelos participantes um livro de canções previamente escolhidas pelo Professor de Música e as sessões tinham uma estrutura fixa (havia um plano de trabalho e selecção do material realizada pelo músico antes do início das sessões).
RESULTADOS: Foram analisados os sintomas depressivos relacionados com a actividade motora (“lassitude, inner tension”), a orientação cognitiva (dificuldades de concentração, pensamentos pessimistas) e a orientação emocional (incapacidade de sentir – alexitímia, etc.). Nos grupos sem demência, não houve alterações relevantes na melhoria dos sintomas depressivos do grupo de canto recreativo, enquanto houve melhorias ligeiras a moderadas na redução destes sintomas no grupo de musicoterapia. Nos grupos com DEMÊNCIA, houve DISCREPÂNCIAS NOTÓRIAS. Enquanto o grupo de MUSICOTERAPIA obteve uma REDUÇÃO MUITO SIGNIFICATIVA DOS SINTOMAS DEPRESSIVOS, o grupo de CANTO RECREATIVO teve um AGRAVAMENTO DOS SINTOMAS DEPRESSIVOS, tendo sido sugeridas algumas possíveis causas pelos investigadores: a estrutura rígida das aulas de canto recreativo, a leitura e utilização de actividades complexas, bem como a falta de adaptação às dificuldades associadas à demência, devido ao desconhecimento de psicopatologia (o professor de música, não sendo formado em psicopatologia como o musicoterapeuta, não conhece os sintomas patológicos).
Para mais informações, consultem o artigo publicado com o título referido.
Resumindo, não há Musicoterapia sem Musicoterapeuta, não é por alguém estar a cantar ou tocar para alguma pessoa doente que a música por si só passa a ser terapêutica e para que “o bolo fique bem feito, é preciso usar a receita completa!”😉